Carnaval: Ritos, Artes e Criatividade
“Ao nos propormos fazer uma descrição do carnaval romano, teremos de recear a acusação de que tais festividades não podem, na verdade, ser descritas. Uma tão grande massa de objetos sensíveis deveria oferecer-se ao olhar de forma direta a ser apreciada e ajuizada por cada um à sua maneira.” Carnaval: Ritos, Artes e Criatividade é a exposição permanente do Centro de Artes e Criatividade (CAC) de Torres Vedras. O Carnaval é uma manifestação cultural celebrada em vários pontos do mundo. As suas celebrações apresentam traços comuns, mas também uma vasta diversidade que resulta das suas expressões concretas.
J. W. Goethe, estudo sobre o Carnaval Romano, escrito em 1788 e publicado em 1789.
Galeria
A inversão e transgressão que caracterizam o Carnaval encontram expressão nas personagens que dão forma aos festejos, que personificam os desejos e os fantasmas da comunidade, ao mesmo tempo que fazem uma caricatura dos acontecimentos e dos seus protagonistas. O tempo é uma personagem maior do Carnaval: tempo de suspensão do real, em que se procura a subversão e o excesso com tradução no burlesco. Tempo de sátira, paródia e ironia. Este é, ainda, tempo de inversão do estabelecido, de caos e de catarse, de purificação e de personificação dos pecados, vícios e males. O Carnaval é um rito de passagem de matriz ainda rural, de tempos cósmicos de penúria (inverno) ao prenúncio da abundância (primavera). É também um tempo marcado pelo excesso. A violência, o grotesco, o macabro e o perverso manifestam-se nos atos dos participantes entre eles próprios ou “contra” o público. É disso exemplo a prática comum de pregar sustos a mulheres e crianças. A máscara (facial ou de indumentária) é presença obrigatória em todos os carnavais. É o veículo de representação por excelência, facilitando a assunção de outras identidades. Podemos dizer que existem dois tipos de máscara: figuras antropomórficas e máscaras zoomórficas. Na maioria dos carnavais, o Diabo e a Morte são figuras que animam e fazem rir, sendo exemplos usados para compreender a mistura de elementos pagãos e cristãos no Carnaval contemporâneo. O diabo representa o excesso, a loucura, o pecado, a liberdade, a abundância e a alegria. Especialmente nos carnavais da América Latina é, muitas vezes, reservado ao diabo o papel de Rei do Carnaval, protagonista, representativo e fundador da festa. Nos carnavais mediterrânicos e em muitos da América do Norte e Latina são utilizadas carroças, normalmente muito grandes, decoradas e pintadas. As de grande dimensão são “carros alegóricos”, que integram os desfiles de Carnaval. Têm as suas origens na Idade Média, nas carroças móveis que apresentavam peças teatrais e iam de cidade em cidade. São alegóricos porque costumam usar figuras reais, temas ou eventos que são parodiados por caricaturas, desenhos, textos humorísticos e músicas. Desde sempre que a inversão e troca de papéis faz parte das comemorações carnavalescas. O rico torna-se pobre, o homem torna-se mulher e vice-versa. Durante as festividades, nenhum ato poderá ser classificado como crime porque a lei é suspensa durante os dias do Carnaval. O Carnaval é um ritual de passagem, ocorrendo num tempo de mudança climática. É comum, por exemplo, celebrar o início e o fim da festa com rituais que envolvem fogo ou terra (significando a força da natureza): através de uma fogueira ou do (des) enterro de alguma figura ou objeto, a que são assacados todos os pecados cometidos durante o Carnaval e o ano anterior.
Ao todo, o Centro de Artes e Criatividade dá a conhecer 33 carnavais de 7 regiões do mundo. Aqui exploram-se as diferentes artes do Carnaval, através de formas de expressão plástica ancoradas na máscara e na inversão temporária da ordem estabelecida. Afinal, se no Carnaval de Torres Vedras a matrafona simboliza a inversão de género, no Carnaval de San Juan de Pasto (Colômbia) existe um dia dos negros e um dia dos brancos. A dimensão cénica e performativa do Carnaval também se expressa na coreografia e na dança, com forma e significado diferentes em cada contexto: das chocalhadas dos caretos do Carnaval de Podence aos Busós do Carnaval de Mohács (Hungria), que chegam à cidade descendo o rio Danúbio em canoas. A música também é um elemento central, com harmonias, melodias e ritmos que se identificam com os carnavais onde se exprimem. As fanfarras de Guggenmusik caracterizam o Carnaval da Suábia (Alemanha), enquanto o frevo é a música urbana e subversiva tradicional do Carnaval de Recife (Brasil). E o Carnaval assume, ainda, expressão literária e poética marcada pela paródia e pela sátira, como na condenação da égua no Carnaval de Hlinsko (República Checa), mas também pela celebração da vida e da catarse, como na dança dos cocolo no Carnaval de San Pedro de Macorís (República Dominicana). O Centro de Artes e Criatividade de Torres Vedras apresenta o Atlas dos Carnavais do Mundo, que permite explorar a diversidade das manifestações do Carnaval, que também partilham várias expressões comuns. O Atlas dos Carnavais do Mundo dá a conhecer os carnavais de: Europa Central e do Norte Europa do Sul (ou Mediterrâneo) América Central (ou Caraíbas) América do Sul - Andes (ou América Andina) América do Sul - Brasil África Subsaariana e Sudeste Asiático Península IbéricaDo norte da Europa ao sul mediterrânico, de África ao sudeste asiático, das Caraíbas ao Brasil.
Também a história e as características do Carnaval de Torres Vedras têm lugar no Centro de Artes e Criatividade, que apresenta conteúdos originais, históricos e pedagógicos. O nascimento do carnaval urbano de Torres Vedras aconteceu no início do século XX e está associado aos republicanos locais, que aproveitavam o Carnaval para parodiar ou satirizar o contexto político nacional, em especial a monarquia. Destacam-se três datas: 1908 (paródia ao franquismo), 1912 (paródia às tropas contrarrevolucionárias de Paiva Couceiro) e 1923 (sátira à monarquia). A partir da década de 1920, destacam-se os festejos de rua de forma sistemática, marcando os primórdios do Carnaval urbano, tal como o conhecemos hoje. A comitiva régia de ministros, embaixadores e matrafonas que acompanha os reis (encenação que chegou aos nossos dias) surge nos anos 20 com o objetivo de satirizar a monarquia. A implantação da ditadura militar, em 1926, e consequente censura, levou ao abrandamento da crítica social e até ao cancelamento dos festejos em 1927, 1928 e 1929. Durante esse período, a celebração foi desviada das ruas para as coletividades e casas particulares. O Carnaval de Torres Vedras viria a sofrer novas interrupções durante a Segunda Guerra Mundial (e no período do pós-guerra). Também a Guerra Colonial, o período após a Revolução do 25 de Abril, as cheias que assolaram Torres Vedras em 1983 e a pandemia de COVID-19 originaram interrupções nos festejos carnavalescos. Os corsos são o elemento central deste Carnaval, tendo surgido na década de 1930. São compostos por carros alegóricos, cavalinhos (bandas filarmónicas) e Zés Pereiras (grupos tradicionais de bombos), grupos de mascarados e cabeçudos. É também nos corsos que se encontra o símbolo da inversão social e de poder, o Rei e a Rainha (uma matrafona), que se tornam regentes da cidade durante todo o período do festejo. O reinado dedicado à desordem e transgressão tem início com a chegada dos reis à cidade, de comboio, seguindo-se o momento de entronização, quando o casal recebe as chaves da cidade do presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras. A chegada de comboio pode ser uma sátira inspirada na viagem de D. Manuel II a Torres Vedras para a comemoração do centenário da batalha do Vimeiro, em 1908. A elite local republicana que sustentava o Carnaval teria aproveitado a memória desse evento para satirizar os aparatos e protocolos reais. A matrafona é uma das máscaras mais comuns deste festejo, simbolizando a inversão de género. Os homens vestem roupas e acessórios femininos, assumindo uma representação satírica de identidade, práticas e condutas associadas ao género feminino. A matrafona tem a sua origem no entrudo rural e popularizou-se após a eleição da primeira rainha (matrafona) em 1924. Era uma máscara economicamente acessível, uma vez que bastava recorrer ao vestuário das esposas, mães ou irmãs. Aos dias de hoje, é possível identificar matrafonas com vários estilos: a matrafona tradicional, a matrafona sofisticada e a matrafona que desempenha um papel social no carnaval. O envolvimento da comunidade é um dos traços que marcam a identidade do Carnaval de Torres Vedras. Há aproximadamente 45 grupos conhecidos de mascarados, que reúnem cerca de 2000 elementos. As máscaras são mantidas em segredo e apenas reveladas no corso noturno, disputando os prémios em concurso. Ao lado dos grupos de mascarados, existem milhares de foliões espontâneos que dão forma aos festejos de carnaval. Na exposição permanente do Centro de Artes e Criatividade, os artistas locais que criam os carros alegóricos, as associações carnavalescas, matrafonas e até um corso aéreo ajudam a contar a história de um carnaval que acompanha a história e o desenvolvimento do país. Depois de visitar a exposição “Carnaval: Ritos, Artes e Criatividade” poderá testar os seus conhecimentos através do seguinte quiz.cac-tvedras.pt.O Carnaval de Torres Vedras, património coletivo dos torrienses.
Última atualização: 11.05.2021 - 14:35 horas
Outras exposições
Carnaval em Realidade Virtual
Viagem pelo Carnaval de Torres Vedras em realidade virtual
Local: Núcleo 3 - Exposição Permanente
Ver mais ›
Arte do Cartoon
Exposição de José Sanina
Local: Foliateca, cafetaria do Centro de Artes e Criativiadde
Ver mais ›
Esperou o ano inteiro
Exposição de Matilde Cassani com curadoria de João Silvério
Local: Centro de Artes e Criatividade
Ver mais ›